Viver nas ruas sempre havia sido difícil, mas, às vésperas
do Natal era insuportável. Esse era o momento em que ela mais se lembrava da
família fantástica que um dia teve. Da ceia dividida com seus pais e irmãos.
Dos presentes embaixo da arvore, próximos a lareira, onde ela sempre esperava
que o velhinho de barba branca surgisse com seus presentes, mas que ela nunca
tinha conseguido esperar acordada para ver. Mas, os presentes sempre estavam lá
na manhã seguinte, seu tradicional embrulho retangular que, apesar de saber
exatamente o que ele continha, ela sempre ansiava para descobrir para qual novo
mundo ela seria transportada.
Agora, era como se toda a fantasia tivesse acabado. Sua vida
de sonhos e seus sonhos em forma de papel tinham sido todos arrancados dela de
forma brutal. Seus pés apenas conseguiam andar um passo de cada vez, com todo o
sofrimento, como se carregassem o peso do mundo, mas ela sentia como se não
saísse do lugar.
Não importava para onde olhasse ou para onde fosse. Seja
quando ela passava por uma família feliz, ou quando ela via aqueles rabiscos
entrelaçados, que já tiveram um significado mágico em sua vida, mas que agora
não passavam de uma lembrança distante de uma vida perfeita, ela não conseguia
encontrar motivos para sonhar, para seguir em frente. Seus pés seguiam o seu
próprio caminho, mesmo que ela não tivesse caminho algum para seguir.
Foram as luzes que chamaram a sua atenção. Era noite, por
mais que o tempo passasse e ela não percebesse, aquelas luzes eram diferentes,
coloridas e deveriam trazer para as pessoas que ainda podiam sentir algum calor
em seu coração um pouco de felicidade. Ela as seguiu, porque não importava mais
onde e nem o porquê.
Quando as luzes estavam quase lhe sufocando, fazendo com que
ela se sentisse exposta como nunca, foi o riso que a fez ficar. Um som leve, de
alguém que ainda tinha esperanças, de alguém que não havia perdido tudo. Um
riso como ela se lembrava de ter ouvido de si mesma algum dia.
Era uma criança pequena. Ela sorria como se não houvesse
nada de mau no mundo e como se sua vida fosse para sempre perfeita. Seus pais
sorriam de contentamento. Tiravam fotos que marcariam para sempre aquele
momento. A pequena abraçou o homem de barba branca e vestes vermelhas e desceu
de seu colo. De mãos dadas com seus pais, ela partiu para mais um momento de
diversão, que para ela, nunca teria fim.
Quando seu rosto começou a ficar molhado, ela percebeu o
quanto aquela cena a havia emocionado. Quantas vezes ela mesma fora levada por
seus pais para fazer um pedido para o bom velhinho. Ela sempre queria uma nova
história, um novo mundo onde príncipes salvassem suas princesas, onde fadas
fizessem magia, onde peixes pudessem voar e onde todo o mal sempre seria
vencido. O bom velhinho sempre se espantava. Perguntava se ela tinha certeza,
se não preferia um bom brinquedo. Era quando ela abria um sorriso e olhava para
os pais que escutavam com atenção cada uma de suas palavras.
Ela queria se virar e ir embora, mas seus pés não a
obedeciam. Em meio as suas lembranças, ela mal percebeu que o velhinho de barba
branca também a encarava. Olhou para os lados só para ter certeza de que ela
era realmente o foco de seu olhar. Ela havia se acostumado a ser quase
invisível, a passar pelos lugares sem que as pessoas a vissem. E isso era
melhor do que quando a viam. Os olhares de repúdio ficavam mais tempo guardados
na sua memória.
O bom velhinho estendeu a mão e usou os dedos para chamá-la. Seus pés começaram a se mover sem que sua
mente pudesse pensar a respeito. Quando chegou perto o suficiente, viu que ele
não estava sorrindo como sempre fazia. Talvez só quisesse que ela fosse embora,
e ela iria antes de ser enxotada. Então, foi com espanto que ouviu as suas
palavras:
- Você quer um doce? – Ele disse lhe estendendo um embrulho
vermelho e brilhante.
Com as mãos tremendo, ela pegou aquele embrulho e murmurou
algo que havia aprendido a muitos anos atrás, mas que já havia perdido todo o
significado.
- Por que não se senta? – Ele disse apontando para um banco
ao seu lado.
Aquele era lugar de um duende, ou da própria Mamãe Noel, que
deveriam estar ocupados com outros afazeres.
Ela se sentou e sem pedir licença, desembrulhou aquele doce
e o colocou inteiro na boca. A muito tempo ela havia aprendido que não se deve desperdiçar
as boas oportunidades e que elas devem ser aproveitadas ao máximo. O que
adianta guardar as coisas para depois? Esse depois pode nunca vir, ou ele pode
ser muito diferente do que você espera.
- Então, o que você quer pedir para o Papai Noel esse ano?
Agora ele estava sorrindo. Ele se virou um pouco em sua
cadeira, parecia desconfortável, mas estava olhando para ela bem de frente.
A lista era tão longa. Mas podia ser facilmente resumida em
poucas palavras.
- Eu queria a minha vida de volta.
As sobrancelhas brancas se levantaram em espanto e as rugas
ficaram ainda mais proeminentes em seu rosto.
- O que quer dizer minha querida? – Ele perguntou como se
criança alguma tivesse alguma vez lhe pedido nada tão inusitado, mais inusitado
até mesmo do que algo para ler.
- Eu quero poder encontrar os meus pais, dizer que eu os
amo, que eles sempre foram a coisa mais importante da minha vida. Eu quero
abraçar os meus irmãos, até eles estarem quase sufocando, como sempre odiaram
que eu fizesse. Eu quero poder brigar com a nossa cachorrinha por tentar comer
os meus livros. Eu quero uma mesa repleta de comida na noite de Natal, de onde
eu possa fingir que estou comendo encontro eu olho os presentes um a um até
encontrar o meu. Eu quero poder abrir o meu embrulho, abraçar os meus pais e
sair correndo para o meu quarto. Lá eu posso acender meu abajur, me enrolar nas
minhas cobertas e começar uma nova história. Uma história com o final muito
mais feliz que o meu.
- O seu final? – Ele perguntou rindo – O que quer dizer com
o seu final? Você é tão jovem, tão cheia de vida, tem tantas coisas para
acontecer em sua vida. Como pode achar que esse é o final?
- Eu perdi tudo. Não tenho mais nada, estou sozinha no
mundo. Como posso ter a esperança de que algo melhor vai acontecer?
- Você não aprendeu nada com os livros que tanto ama
mocinha? – Ele disse sorrindo. – Todo herói precisa saber o que é a dor e o
sofrimento, para se erguer mais forte e voltar para casa sabendo o quanto a
vida lhe concedeu coisas maravilhosas. Você agora tem noção de quanto sua
família, sua casa e cada uma de suas histórias são importantes, agora você dará
valor para tudo aquilo que possui. Talvez seja hora de acordar desse pesadelo e
encontrar o que eu deixei embaixo da árvore para você esse ano, minha querida.
Ela não sabia se foi o susto ou a falta de ar. Era
desconcertante pular de sua própria cama e estar limpa e sem uma fome
descontrolada. Foi com passos suaves que ela seguiu em direção ao corredor e
encontrou seus pais na sala, sentados lado a lado, embrulhando os últimos
presentes, antes que os filhos acordassem.
Ela não se importou, correu em direção aos dois e se jogou
em seus braços. Chorou como nunca antes. Quando queria algo, quando fazia manha,
não era o sofrimento que lhe trazia lágrimas aos olhos e nem a alegria, como
nesse momento.
Sua mãe parecia preocupada, mas tentou lhe tranquilizar,
dizendo que havia sido apenas um sonho ruim, mas era muito mais que apenas um
sonho. Era como terminar um livro bom, uma maravilhosa história, mas, que lá no
meio havia te deixado com tanto medo que era como se você fosse o personagem,
como se você preenchesse aquelas páginas, como se, por um momento, o mundo
nunca mais fosse ser colorido outra vez.
Como uma concessão para sua menininha assustada, sua mãe lhe
entregou o seu presente, ainda não totalmente embrulhado. Mesmo em meio a todo
aquele sofrimento, a calma de estar novamente em casa não podia deixar de tomar
o seu coração. Aquela havia sido uma aventura assustadora, mas com um final feliz.
Talvez fosse a hora de começar a próxima.
A garotinha deixou os pais e correu em direção ao quarto com
seu novo presente. Sem esperar nem um minuto, ligou o seu abajur e começou uma
nova e emocionante aventura.
Nós desejamos um Natal maravilhoso para todos os nossos
amantes de livros que sempre estão conosco aqui no Blog. Que Papai Noel tenha
deixado muitos livros em suas árvores e que vocês descubram várias novas
histórias maravilhosas.
FELIZ NATAL, Jana!!
ResponderExcluirEspero que seu Natal tenha sido maravilhoso Fabiana :D
ExcluirObrigada Jana! Feliz Natal pra vocês também, e que historia linda!
ResponderExcluirMe emocionei muito, que garotinha com imaginação fértil e esse sonho incrível o pedido que ela fez ao Papai Noel e a resposta que ele deu a ela, tudo estava lindo nesse conto.
Muito obrigada Mirian, que bom que gostou!!!
ExcluirEspero que seu Natal tenha sido repleto de boas surpresas :D
Que conto lindo, ensinando a dar valor o que temos. Foram vocês que fizeram? Eu gostei bastante!
ResponderExcluirEspero que tenham tido um ótimo Natal!
Abraço!
Que bom que você gostou Dilza. Eu escrevi o conto :D
ExcluirEspero que seu Natal também tenha sido mágico <3
Feliz Natal atrasado Jana! Que conto maravilhoso, que grande emoção!
ResponderExcluir\o/
ExcluirFeliz 2015, e obrigada por ter lido :D