Meg sentia a cabeça rodar. Tentou abrir os olhos algumas
vezes sem sucesso. Ela estava desconfortável, como se estivesse sentada em uma
cadeira qualquer e não em sua própria cama. Desconfiando que estivesse dormindo
na biblioteca, ela se forçou para abrir os olhos e, o grito que ela sentia que
iria sair, ficou preso em sua garganta.
Ela se lembrava claramente daquela manhã, quando passou em
frente à sala do jornal. Aqueles olhares, como que ensaiados, direcionados para
ela. Agora, era como se aquilo se repetisse, mas de forma muito mais assustadora.
Ela estava realmente sentada em uma cadeira, mas não na
biblioteca, ela tinha visto o suficiente para saber que estava na sala do
jornal estudantil. Aquele garoto, que a havia perseguido, seja em sua
imaginação ou não, estava sentado bem a sua frente, com a cadeira virada ao
contrário, e os braços apoiados em seu encosto.
Os outros seis estavam em pé, em uma meia lua, como que
formando uma barreira entre ela e a tão almejada saída.
- Meg. – Começou o garoto sentado. Ela gostaria de saber
como ele sabia o seu nome, mas não tinha coragem de perguntar. – O que você
estava fazendo aqui ontem a noite?
Meg sabia que aquela era a mesma voz que ela tinha ouvido
ameaçando o garoto que não parava de chorar na noite anterior. Havia acontecido
o que ela mais temia. Essa noite seria ela a vítima, seria ela a responsável
pelos gritos.
- Nada. – Respondeu Meg, quase sussurrando. – Eu só estava
indo para casa, eu não vi nada, eu juro.
Quando terminou de falar, ela soube que aquela era a
resposta errada. O sorriso malicioso que surgiu nos lábios do líder daquela
gangue, do ponto de vista dela, ele estava sentado e lhe interrogando,
portanto, devia ser o líder, só lhe dizia que ela tinha acabado de confessar o
que eles queriam saber.
Ela conseguiu olhar em volta e percebeu que os outros também
sorriam. Sorrisos que lhe causavam arrepios.
- Tem certeza? – Ele perguntou novamente, e ela voltou a sua
atenção para aquele que estava bem a sua frente. - Sabe, esse é um caminho sem
volta.
Ela ficou ainda mais assustada. Se lembrou das palavras
ditas ao outro garoto, e do sangue na porta. Meg não estava disposta a esperar
pacientemente o que quer que fosse acontecer. Talvez, se o elemento surpresa
estivesse a seu favor, ela conseguisse sair dali.
Meg não estava presa, apenas sentada na cadeira, portanto,
se movimentou o mais rápido que podia. Levantou quase se jogando em direção a
porta, até conseguiu passar pelos garotos em pé, que não fizeram um movimento sequer
para impedi-la.
Quando estendeu a mão para a maçaneta, um corpo se
materializou bem a sua frente. O choque foi inevitável. Ele a segurou pelos
ombros, assim seu rosto não bateu com força no peito a sua frente, porém, nada
poderia explicar como ele havia chegado tão rápido ali. Nem os garotos que
estavam de pé poderiam ter passado a sua frente tão rapidamente.
Ela ouviu risos as suas costas. Provavelmente provocados pela
sua tentativa de fuga, porém, ela estava perplexa demais para se incomodar com
isso. Ela levantou os olhos vagarosamente e, mais uma vez, encontrou aqueles
olhos negros lhe encarando.
Era como se o mundo parasse novamente, como se algo
estivesse muito certo. Aquelas mãos tocando em seus braços lhe passavam uma
calma que ela jamais sentiu. Ela sabia que deveria se afastar, mas, a mesma
força que antes a deixou paralisada, agora, a impelia para ele.
Ele sorriu novamente, muito perto dela, e, pela primeira vez,
ela percebeu dois dentes bem diferentes dos normais, se sobressaindo dos
demais. Duas formas brancas, muito parecidas com presas.
- Nós só chamamos a atenção de quem tem algum tipo de
afinidade com o nosso mundo. A maioria das pessoas aqui nessa escola nem nos
enxerga completamente. Se você nos viu, se chegou até aqui, é porque está em
seu destino.
Ele soltou um de seus braços e tentou pegar uma um mecha de
seu cabelo, mas ela se afastou. Aquilo não era possível, não poderia ser real.
- Mesmo que você fique tentando se convencer de que isso não
é real, não vai tornar tudo isso menos real, Meg.
Sua respiração ficou presa por um segundo. Era como se ele
soubesse o que ela estava pensando. Aquela ideia era ainda mais assustadora do
que tudo que ela tinha visto até ali. Ele se afastou e abriu a porta. Ela até
tinha se esquecido que havia outras pessoas naquela sala, até que eles saíram
um a um.
O garoto continuou segurar a porta, mesmo quando todos já
tinham saído. Ela não sabia o que fazer, até que sua voz a atingiu como nunca.
- Você tem uma semana para decidir se quer se juntar a nós,
ou...
Novamente aquele “ou” jogado no ar. Ela já tinha ouvido
aquilo antes e não tinha terminado nada bem. Pelo menos, era o que ela achava, mas
havia uma voz dentro dela, algo que ela realmente não conseguia entender, que
lhe dizia que aquilo tudo era certo, que aquele era o seu destino.
Meg balançou a cabeça para clarear seus pensamentos.
- O que isso significa? O que são vocês? O que acontece se
eu me juntar a vocês, ou não me juntar a vocês?
Ele sorriu e virou as costas, seguindo os seus amigos pelo
corredor.
- Isso, você vai ter que descobrir.
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Após eles a deixarem sozinha, Meg tinha certeza que demorou
pelo menos uma hora para se mexer. Ela não fazia ideia que horas eram, como ela
havia chegado à escola, mas precisava voltar para a sua casa.
Ela andou até lá sem encontrar ninguém na rua, o que era
muito estranho. Ao chegar, e ver que já passava da meia-noite, se assustou. Que
perigo andar àquela hora sozinha na rua! Sua mãe a mataria se soubesse, mas,
ela já tinha muita loucura com que se preocupar.
Quem eram aqueles garotos, e o que eles realmente queriam
com ela?
Meg se espantou ao perceber que não sentia realmente medo.
Ela estava assustada, muito assustada, até aquele garoto lhe tocar. Ela não
conseguia entender, era algo muito além dela, além de tudo o que ela conhecia,
como aquela sensação lhe pareceu ser certa.
Ela passou o resto da noite praticamente em claro, e correu
para a escola assim que possível. Com uma coragem que ela não sabia que
possuía, foi direto para a sala do jornal estudantil. Tentou abrir a porta, sem
se importar com quem passasse pelo corredor, porém, ela estava fechada, e
parecia não ter ninguém ali dentro.
Era realmente muito cedo, não havia quase nenhum aluno na
escola, mas, ir para a biblioteca estava fora de cogitação. Sua mente inquieta
não lhe daria a concentração suficiente para ler uma página sequer.
Logo que ela saiu do prédio, em direção aos jardins, era
como se ele tivesse se materializado. O garoto estava encostado em uma árvore,
com um dos pés apoiado no tronco, enquanto as mãos estavam escondidas pelos
bolsos de sua calça.
Meg nem ao menos esperou pelo sobressalto característico de
seu coração e foi em sua direção. A expressão dele era indecifrável. Ela não
fazia ideia se ele estava feliz, decepcionado ou surpreso com a sua atitude.
Quando estava perto o suficiente, ela perguntou algo que a
estava incomodando, o que finalmente lhe rendeu um sorriso da parte dele.
- Qual o seu nome? – Ele tirou a mão dos bolsos, se
desencostou do tronco e começou a andar em direção a biblioteca.
- Você pode me chamar de Lucas.
Ela não se importou se podia ou não, simplesmente o seguiu.
A biblioteca estava completamente vazia, mesmo a senhora Eva parecia estar
dormindo em seu posto habitual. Lucas sentou em uma mesa afastada, no meio de
várias estantes e Meg se acomodou a sua frente. Ele colocou os pés em cima da
mesa, mas, ninguém iria saber, se nem mesmo a senhora Eva havia os visto
entrar, e Meg tinha assuntos mais importantes para se preocupar.
- O que são vocês? O que querem de mim? – Ela foi direto ao
ponto. Aquilo a estava enlouquecendo. Já tinha se conformado que nada daquilo
era fruto de sua imaginação, porém, essa constatação só a deixava mais perdida
do que antes.
- Eu não quero nada de você Meg. É você quem quer, só não
sabe disso ainda. Não sabe ou não consegue assumir para você mesma.
Ele sorri e Meg se esforça para não retribuir. Mesmo com aquele
sorriso perfeito não sendo nem um pouco simpático, mas sim, assustador, algo
dentro dela acreditava naquelas palavras, ao mesmo tempo em que seu lado
racional de esforçava terrivelmente para não acreditar em nenhuma delas.
- O que você quer dizer com isso?
Lucas tira os pés da mesa e apoia os braços, em uma
tentativa óbvia de diminuir o espaço entre eles.
- O que você tem que saber é que algumas pessoas nascem
conscientes de que serão algo a mais. Todo o seu esforço e dedicação não são
apenas para entrar em uma faculdade, ter um emprego comum, você só ainda não
percebeu que faz parte de algo a mais. Nós somos a evolução da espécie.
Predador e presa se você preferir. – Nesse momento ele sorri de forma que ela
visse os seus caninos afiados mais uma vez. – Você não pode fugir de quem você
é, e é por isso que você veio até mim, é por isso que algo te atraiu, para que
eu finalmente libertasse você.
Meg sentia sua mente flutuando. Aquilo era algo completamente
novo, mas ela sentia que já conhecia cada uma daquelas palavras. Ele realmente
não lhe explicou nada, mas era como se ele tivesse aberto um mundo de
possibilidades, mesmo que ela não entendesse nenhuma delas.
- Eu não tenho como te explicar e, mesmo que tivesse, você
não entenderia. – Ele respondeu sua pergunta não dita. – Sua mente e seu corpo
precisam ser libertados, só assim você irá entender porque veio até nós, porque
buscava algo completamente diferente do que seria o seu futuro. O seu destino é ser parte da evolução para a
qual a maioria das pessoas ainda não está preparada.
- Por que você fala tanto em destino? – Foi tudo o que Meg
conseguiu perguntar, a única palavra que ela conseguiu se apegar em meio a
todas aquelas informações. Lucas parecia ter gostado da sua pergunta.
- O que é o destino, Meg? – Seu olhar brilhou fugazmente
enquanto ele lhe dirigia aquelas palavras. - Escolhas que nós fazemos, ou
escolhas que são feitas por nós? Nós acreditamos que o destino seja a evolução,
o crescimento para aqueles que estão preparados para se encontrar com ele,
assim como você Meg. Não se pode fugir do destino, porque nós sempre vamos em
direção a ele.
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