Nós já estávamos no carro. Eu não permitiria que nenhum
outro motorista falasse comigo durante a viagem, e em breve eu teria que tirar
de Douglas essa mania, mas hoje eu estava curioso. Tudo o que havia dado certo
em minha vida parecia ter dado errado na dele. Mas, mesmo assim, ele parecia
alguém feliz. A marca de todo fracassado que quer demonstrar que a vida é bela.
- Então, tudo ia bem, eu tinha até entrado em uma faculdade
pública. Meus pais ficaram muito felizes por não terem mais uma despesa.
Ele parecia contente em contar um fato tão banal. Nós
tínhamos nos distanciado pouco tempo antes da faculdade. Eu fui estudar fora. Já
era um sonho alcançar o topo o mais rápido possível. O tipo de trabalhos que eu
fiz para bancar minha vida no exterior era algo que eu nem gostava de pensar.
Porém, por mais que eu tenha me sujeitado a serviços totalmente inferiores ao
que eu almejava, o que importava é que eu tinha voltado da forma que eu queria.
Um diploma importante em baixo do braço e dinheiro o suficiente para começar
algo que ninguém poderia imaginar que se tornasse tão grande. Só tão grande
talvez quanto a minha ambição.
- Quando eu arranjei meu primeiro emprego, estava no segundo
ano. Não passava de um estágio, na verdade. Mas eu ainda morava com meus pais,
então, não era como se eu fosse passar fome. – Douglas olhou pelo retrovisor,
sorrindo para mim, como se aquilo fosse imensamente engraçado. – No dia em que
eu cheguei no prédio onde ficava o escritório, você não vai acreditar em quem
eu encontrei trabalhando na recepção.
Ele deixou aquele suspense pairando no ar. Como se eu fosse
realmente esboçar alguma reação de curiosidade pela sua resposta. Estava
realmente muito perto de mandá-lo parar de falar, o que quer que fosse, quando
sua resposta trouxe à tona coisas que eu não me lembrava a muito tempo.
- A Paula. – Ele disse, aumentando ainda mais, se é que era
possível, aquele sorriso bobo em seu rosto. – Você se lembra dela? Estudou com
a gente alguns anos, se formou com a gente e tudo. Tenho certeza de que você lembra, ela vivia
correndo atrás de você.
E ele balançou a cabeça, apesar de continuar rindo. Era como
se ele estivesse ironizando o fato de Paula já ter corrido atrás de mim algum
dia.
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Eu não era ninguém naquela época. Apenas mais um estudante
entre tantos, porém, já tinha noção que afastava algumas pessoas da minha vida.
Douglas era exceção apenas porque nos conhecíamos realmente a muito tempo, mas
as outras pessoas, eram todas tão claramente inferiores a mim e as minhas
futuras conquistas que eu não conseguia lidar com elas. Eu perdi a conta de
quantas vezes esse homem, que agora é meu motorista, me disse que eu era chato,
que ninguém iria querer ter nenhum tipo de relacionamento comigo.
Mas Paula era insistente. Por mais que eu a afastasse, ela
sempre voltava com um sorriso, o que me irritava absurdamente, pois não era um
sorriso complacente, de alguém bom que sempre volta para mais um tapa. Era um
sorriso superior, de alguém que perdoa o outro por ele não saber o que está
fazendo.
- Um dia você vai cair em si e entender que eu sou a mulher
da sua vida.
Foram essas palavras que me fizerem nunca encostar um dedo
sequer nela, até a noite da nossa formatura.
Eu cheguei em um momento em que tudo na minha vida tinha que
ser centrado em meus objetivos, mesmo que eles fossem controlados
momentaneamente pelos meus hormônios. Eu sabia ser galanteador quando eu
queria, o que também era muito importante no mundo dos negócios, principalmente
quando se está começando a construir algo grande nesse mundo.
Uma boa parte das meninas da escola me odiava, não que eu me
importasse. Eu era sedutor em um dia e um traste no outro. Era o que elas me
diziam. Paula era linda, eu não podia negar, mas me irritava tanto, essa sua
superioridade, essa certeza de que iria me dobrar, que eu nunca tive vontade de
tentar algo a mais, até aquela noite.
Paula estava com um vestido vermelho, mais decotado e
apertado do que qualquer outra formanda da nossa turma. Ela recebia olhares desejosos de todos os
alunos, e críticos de todos os professores, que não podiam fazer nada com os
seus pais presentes na festa.
Eu não podia negar que a queria aquela noite, e o momento
não poderia ser mais perfeito. Nós nos formaríamos e nunca mais estaríamos
juntos outra vez. Ela teria que se lamentar sozinha pela única noite que esteve
ao meu lado, e que nunca mais se repetiria.
Nós nos beijamos durante algumas horas, em cantos escuros,
para que ninguém visse. Eu não tinha uma palavra para definir aquele momento.
Paula era tão mulher, tão adulta, e não só apenas por conta do vestido, suas
ações naquele momento provavam isso. E eu queria mais, muito mais. E essa foi a
primeira vez em que eu me senti realmente frustrado.
Paula simplesmente foi embora, como se estivesse
completamente satisfeita com o que tinha tido até então. Não me pediu para
ligar para ela, nem tentou deixar um contato caso eu quisesse algo a mais. Ela
também sabia que nós não nos veríamos mais. Era impossível de imaginar que,
depois de tantos anos, apenas aqueles beijos escondidos seriam o suficiente.
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- Sua primeira real frustração, portanto, foi porque uma
mulher não quis dormir com você. – Carlos era o mestre em dizer o óbvio. – Você
já parou para pensar que talvez a sua frustração não tenha sido com ela, mas
com você? Que depois de esperar durante tanto tempo, ela tenha se decepcionado
com algo que você achou fantástico?
Tive vontade de rir de seu comentário, mas não gostava muito
desse tipo de demonstração. Se tinha algo que eu tinha plena segurança, eram as
minhas habilidades, seja em que área for.
- Ela não se decepcionou comigo, ela mesma disse isso.
- Naquela noite, ela quis conversar com você?
- Não, não naquela noite, muitos anos depois.
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Logo nós chegamos até o meu apartamento. Eu vi o olhar de
Douglas apreciar o prédio sem cerimônias e fingir um assovio, mesmo sem som
algum. Ele olhou para mim e levantou o polegar, como que me parabenizando por
tamanha conquista.
- Ah, mas eu também tenho algo bem legal para te mostrar. –
Ele disse, tirando a carteira do bolso e me entregando um pedaço de papel bem
guardado ali dentro.
Era uma foto e parecia ser bem recente. Nela estava Douglas,
com esse sorriso irritante no rosto. Uma criança, que eu não havia ideia de que
idade tinha. Nunca convivi muito com crianças, e não tinha a mínima vontade de
começar. E, por último, lá estava ela, linda como sempre.
Os anos pareciam ter sido muito bons para Paula. A mulher
que eu achava que ela já fosse na nossa formatura, não fazia jus a mulher que
estava naquela foto. Eu percebi naquele instante que eu tinha que vê-la. Apenas
uma foto foi o suficiente para me lembrar algo que há muito tempo estava
esquecido. Algo que eu tinha como meta, mas me foi negado. Dessa vez seria
diferente.
- Tomas tem 6 anos. Ele é um amor de criança. – Douglas
começou a ilustrar a foto, talvez confundindo meu olhar fixo com um real
interesse por sua história. – Paula ficou grávida no mesmo ano que nós nos
reencontramos. Foi um acidente, mas... – Ele simplesmente deu os ombros, como
se certas coisas da vida estivessem além de seu controle.
- Eu larguei a faculdade e comecei a trabalhar, período
integral. Nós nos casamos logo em seguida, para que a barriga dela não
aparecesse tão grande nas fotos do casamento.
Eu tive que tirar o meu olhar da foto e realmente olhar para
Douglas por um momento. O que faria
alguém como ela dar o que me foi negado a um fracassado como ele? Eu realmente
não era nem a sombra do homem que eu sou hoje, porém, éramos apenas estudantes,
ainda podíamos lutar pelo nosso futuro. Ele era apenas um estagiário, tentando
ser alguém na vida.
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- Eu sei que você não liga para essas coisas, já conversamos
muito sobre isso, mas, passou pela sua cabeça que talvez ela amasse
Douglas?
Eu tive vontade de olhar para Carlos novamente, mas não
faria isso. Amor nunca levou ninguém a lugar algum. Apenas aqueles capazes de
se desapegar desse sentimento conseguiam algo de verdade em sua vida.
- Paula correu atrás de mim durante anos, como uma menininha
apaixonada. Ela teve uma chance de concretizar todos os seus sonhos em apenas
uma noite, mas foi covarde demais para isso. Ela não amava aquele idiota, eu
tenho certeza.
Mas, como em raros momentos em minha vida, aquelas últimas
palavras foram apenas da boca para fora.
Nossa, estou cada vez mais esse protagonista! Carinha chato e convencido!!
ResponderExcluirMas estou amando a história, Jana! Louca pra próxima parte!
Abraços!!
Tem personagens que merecem ser odiados... hehehe
ExcluirMuito obrigada pelo seu comentário, Dilza. Significa muito para mim <3