Andei durante horas, até minhas pernas não aguentarem mais
sustentar o meu corpo. Era quase inacreditável que aquela mulher conseguisse
percorrer toda aquela distância carregando tanta comida. Me agachei próxima a
uma árvore e pensei o quão tola eu havia sido. Sair impetuosamente teria sido
um ato realmente digno de alguém da realeza, se ao menos houvesse alguém para
ver aquela cena. Se eu tivesse sido mais inteligente, teria pegado um pouco de
comida e algumas roupas. Meu estômago roncava como nunca e minha veste de
dormir estava em um estado lastimável.
Eu sabia que aquele seria o meu fim. Eu nunca conseguiria
sair daquela floresta. Não tinha o que comer e nem forças para seguir a trilha
deixada por aquela amaldiçoada, mas era quase como se eu já tivesse me
conformado com aquela situação. O desespero que eu pensei que sentiria não
apareceu, então eu resolvi me encostar naquela árvore e fechar os olhos. Se
algo surgisse enquanto eu não estivesse prestando atenção, talvez fosse bom,
alguma forma de acabar com todo aquele sofrimento mais rapidamente.
Claro que aquela conformidade com o meu fim se extinguiu no
mesmo instante em que eu ouvi um barulho muito característico. Olhei ao meu
redor, tentando encontrar a fonte do barulho, mas as árvores impediam muito da
minha visão. Usei toda a força que eu pude encontrar para me por de pé, e segui
em direção ao som.
Bem perto de onde eu estava, a floresta terminava
bruscamente, como se tivesse sido arrancada dali a força, e provavelmente tinha
sido. Uma perfeita estrada serpenteava a minha frente, e uma cavalaria inteira
passava por ela.
Ás arvores eram a única barreira entre mim e aqueles homens
que eu reconheceria em qualquer lugar. Todos eles portavam escudos do Reino de
meu pai, do meu Reino. Tive que usar todas as minhas forças para não correr em
direção a eles para pedir ajuda. Não sabia se o Rei os havia enviado em meu
auxílio, ou se ele ainda pensava que eu era uma amaldiçoada.
Quando todo o pelotão passou a minha frente, decidi tomar o
caminho contrário, apenas por precaução. Independente da direção, aquela
estrada haveria de me levar a algum lugar.
Felizmente, não precisei andar por muito tempo. Não teria
forças para isso. Uma pequena aldeia logo apareceu a minha frente. Eu já tinha
passado por muitas aldeias em meu Reino, mas nunca prestei muita atenção em
nenhuma delas. Sempre dentro de carruagens luxuosas, cercada por soldados do
Rei, eu percebia que aqueles lugares eram pobres, mas nunca cheguei a realmente
ver o quão miseráveis eles eram.
Havia algo como um mercado ao ar livre, com produtos nada
atrativos e pessoas negociando infinitamente para conseguir comprar algo para
comer. Poucas pessoas pareciam ter algum dinheiro, ou se vestiam de forma um
pouco mais digna.
Várias construções se embaralhavam umas ao lado das outras,
mas pareciam todas feitas do mesmo material da cabana que eu havia deixado no
meio da floresta. Algumas estavam com as portas escancaradas, e pareciam também
ser algum tipo de comercio, outras estavam fechadas, talvez por serem apenas um
lugar para as pessoas viverem.
Era muito estranho andar em meio àquela gente e não ser
reconhecida. Eu era a Princesa daquele Reino, mas ninguém parecia ter consciência
disso. Ao avistar um grande barril com água, entendi exatamente o motivo. Meu
reflexo era a coisa mais pavorosa que eu já tinha visto. Meus cabelos, sempre
tão vivos, brilhantes e bem arrumados, pareciam tão emaranhados a ponto de
nunca mais ser possível penteá-los. Minha pele estava encardida, e parecia que
tinha terra entranhada com todas as partes do meu corpo, porém, eu não era a
única pessoa naquela situação. Vários outros indivíduos estavam em um estado
tão ruim ou pior que o meu, então ninguém olhava mais do que uma vez em minha
direção. Minhas vestes de dormir, ao menos eram longas, cobriam minhas pernas e
braços completamente, o que era melhor do que a situação de muitos por ali.
Tudo o que eu precisava naquele momento era de algo para
comer. Aquele vazio no meu estômago era algo sem precedentes. Mesmo aquela
comida de aparência suspeita, vendida nas barracas na rua, começava a se mostrar
mais desejável do que eu poderia imaginar. Eu não sabia o que fazer. Não tinha
nada comigo, nem uma moeda que fosse, e não podia revelar as minhas origens a ninguém,
não poderia confiar em ninguém.
Me afastei de onde estava a maior parte da multidão e
adentrei mais o vilarejo. Cheguei a um lugar um pouco mais vazio, com menos
pessoas, mas com algumas lojas abertas. Talvez ali fosse mais fácil conversar
com alguém sobre a minha situação.
Escolhi o lugar mais afastado. Parecia ser algo que eu só
tinha ouvido falar no Palácio. Um lugar onde homens se encontram para beber
durante a noite, e realmente só havia homens ali dentro, apesar de poucos. A
aparência deles era um pouco melhor do que das pessoas na parte mais
movimentada do vilarejo e todos estavam sentados em mesas, comendo uma refeição
que fez com que minha boca se enchesse de água.
Entrei mais um pouco, seguindo em direção ao balcão, quando
ouvi um grito as minhas costas.
- O que você está fazendo aqui?
Congelei no lugar em que eu estava. Será que alguém havia me
reconhecido?
Comecei a virar devagar, mas uma mão me puxou bruscamente
pelo braço, em direção a saída. Quando chegamos a porta, simplesmente fui
empurrada e, sem consegui me equilibrar, simplesmente desabei no chão repleto
de sujeira.
- Esse lugar não é para gente da sua laia! Nunca mais ouse
colocar seus pés imundos aqui dentro!
Era um homem robusto, de aparência severa, mas não era nada
mais do que provavelmente o dono daquele lugarzinho medíocre. Eu nunca quis
tanto ter minha vida de volta. Eu não podia enfrentar aquele homem, eu não
tinha esse direito, não na situação em que eu me encontrava. Eu senti que
começaria a chorar a qualquer momento, de raiva, medo, frustração, quando
alguém colocou as mãos em meus braços e me ergueu do chão.
Virei para ver quem seria a primeira pessoa a me tratar com
o mínimo de respeito que alguém da minha classe merece, quando me deparei com
os olhos mais lindos que eu já tinha visto em minha vida. E não eram apenas os
olhos, seu rosto era perfeito, sua boca parecia ter sido esculpida como o
mármore quando está pronto para forjar uma estátua. Seus cabelos brilhavam e se
mexiam de acordo com o vento. Nenhum príncipe chegava aos pés do homem a minha
frente.
Pela primeira vez, realmente senti vergonha da minha
aparência. Eu sempre sonhei com o meu casamento, com a festa monumental que eu
teria, com a vida de luxo e riquezas que me esperava, mas a pessoa que estaria
ao meu lado nunca possuiu um rosto. Até esse momento.
- Você está bem?
Apenas consegui assentir com a cabeça. Coloquei os braços na
frente do corpo e abaixei os olhos. Não queria que aquele homem me visse
daquele jeito. Queria que ele me visse linda, como uma princesa.
Olhando para baixo, percebi que ele estava vestindo uma
longa capa, além de luvas. A única parte descoberta de seu corpo era realmente
o rosto, mas um capuz jogado para trás resolveria esse problema rapidamente.
Ele puxou para frente uma bolsa que estava ao seu lado,
tirou um pacote marrom e me entregou. Eu peguei sem saber o que ele queria
dizer com aquilo, sua expressão não era amistosa, mas, não pensei em mais nada
ao ver o que tinha ali dentro. Aquele era o pedaço de pão mais perfeito que eu
já tinha visto em minha vida. Sem nem ao menos pensar em agradecer, eu comecei
a devorar aquilo como uma selvagem. A etiqueta a mesa era algo que eu aprendi
desde cedo. Eu sabia me comportar perfeitamente como uma princesa em qualquer
lugar, mas aprendi naquele momento que não existe princesa, não existe etiqueta
e não existe Reino no mundo que possa superar a sensação de se estar com fome.
Quando terminei de comer, mais rápido do que já havia comido
qualquer coisa em minha vida, eu ainda estava com fome, mas o pior já havia
passado. Finalmente levantei o olhar, pensando se deveria agradecer aquele
estranho, mas ele me encarava de forma intensa.
Fiquei realmente com medo naquele momento. Talvez não tenha
sido uma ideia realmente boa ter ido para uma parte tão deserta do vilarejo.
Jana!
ResponderExcluirEsse trecho achei interessante, vou ter de voltar para ler desde o início.
Adorei esse trechinho: "Tudo o que eu precisava naquele momento era de algo para comer. Aquele vazio no meu estômago era algo sem precedentes." = minha cara...kkkk
“Creio no riso e nas lágrimas como antídotos contra o ódio e o terror.”(Charles Chaplin)
cheirinhos
Rudy
http://rudynalva-alegriadevivereamaroquebom.blogspot.com.br/
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Que legal que você gostou :D
ExcluirEspero que curta bastante e acompanhe essa história com a gente.
Beijos!!!
Oiii
ResponderExcluirAinda bem que ja tem a outra parte disponível se não morreria de ansiedade esperando a próxima parte.
Bjs
Que bom que você está gostando :D
ExcluirBeijos!!!